Domingo de Clássico
Por alltype
O almoço sai um pouco mais tarde, os que possuem área externa normalmente não perdem a chance de queimar uma carninha na churrasqueira, os lugares na sala onde cada um vai assistir já definidos com base em superstição, camisa do time trajada, cueca da sorte, volume da TV lá no alto, ansiedade pré-clássico, clima de decisão, escalações confirmadas e apostas feitas. Tudo pronto para acompanhar a votação do impeachment na Câmara. Peraí! Votação?!
O entendimento de política pela sociedade brasileira chegou, enfim, ao seu mais alto nível de irracionalidade. O que já vinha se desenhando desde as primeiras manifestações em junho de 2013, quando passamos a reverenciar de forma passional PT ou PSDB, igualmente como fazem torcedores de futebol, agora se confirma de maneira categórica. A votação do dia 17 de abril de 2016 ficará marcada na história como o dia em que política virou futebol.
A semelhança entre os dois mundos é tão bizarra que admito em alguns momentos achar engraçada, por mais trágico que seja. Da separação das torcidas na Esplanada (Pró Impeachment de um lado e Contra do outro) aos cânticos ensaiados, cada pequeno ingrediente dessa relação mostra o quanto o brasileiro perdeu sua capacidade de impedir que o lado passional interfira no raciocínio lógico sobre questões básicas de cidadania.
Quando me perguntam por que escolhi torcer para o Atlético? A única resposta que me vem à mente é: “Não é a gente que escolhe o time, é o time que te escolhe”. Quem também é aficionado por futebol sabe o quanto essa é uma esfera da vida guiada única e exclusivamente por paixão. Esporte e emoção são coisas que andam juntas, e que bom que andam. É como uma magia, como a fé. Não se explica, simplesmente se sente.
Só que isso é futebol, a coisa mais importante dentre as menos importantes. Posicionamento político deveria ser diferente. É de perder as contas o que eu já vi de pessoas que preferem ver o Brasil na merda, sob o benefício de poder derramar críticas odiosas e desfrutar dos louros de profecia feita: “Quem mandou votar em…?! Agora aguenta”. A sensação que dá é de que ninguém quer ver o país melhor, mas sim vencer a discussão.
O petista, quando ficou sabendo que Lula poderia ser preso, ao invés de comemorar que um crime de corrupção foi descoberto, se abateu em profunda tristeza. O tucano, quando leu que em breve pode sujar também para Aécio, caiu em imediata lamentação. Qual é o nosso real objetivo nisso tudo? Antes, as pessoas iam para as ruas pedir saúde e educação, hoje elas pedem a cabeça de alguém.
Estamos vivendo a era da paixão (ou do ódio, talvez) político, guiado pelo mesmo sentimento que nos leva a um estádio. Domingo agora, é dia de clássico: “os coxinhas x os pão com mortadela”, com direito a torcida organizada, bandeiras, transmissão ao vivo pela TV em horário nobre, placar eletrônico, comentarista de arbitragem, buzinaço em cada voto (gol), tirada de sarro com o amigo que torce para o adversário e comemoração do título em praça pública.
A única diferença, é que no futebol os objetivos são distintos. A vitória de um time significa, necessariamente, a derrota do outro; essa é a essência do esporte. Na política, antes eu achava que as divergências de opinião eram meras pluralidades na forma de entender os meios para um objetivo em comum. Hoje, está claro que os meios, na verdade, são os fins e que para a maioria, pouco importa o Brasil, o que vale é ver o partido de coração triunfar.
LEONARDO PENNA