Tutorial de como escrever um bom anúncio no Dia da Mulher
Por alltype
A publicidade é repleta de pequenos jobs ingratos. Escrever anúncios para datas comemorativas é um deles. Quando chega na sua mesa a demanda: “Criar uma peça de Natal, Dia das Mães, Dia dos Namorados, Páscoa” e por aí vai… a gente até treme nas bases. O difícil desse tipo de tarefa é que todo ano tem e, garanto a vocês, não há mais o que ser falado. Parece que todas as palavras já foram ditas, todas as mensagens usadas, todos jogos de palavras explorados. A cada dia “especial” desses, a gente já sabe que vai ter que fazer malabarismo para entregar alguma coisa boa. No final, dá certo, mas os momentos costumam ser sangrentos.
Há pouquinho tempo, chegou aqui a missão de fazer um post de homenagem ao Dia Internacional da Mulher; para colocar uma pimentinha a mais, solicitada por um motel.
De imediato, ainda sem perceber que tudo não passava de uma traiçoeira armadilha, me animei. Gosto de viver o perigo de certos tipos de criação. Anúncio para funerária, seguradora, clínica de ereção… são especialidades da casa.
Papel em mãos, iniciei minha jornada:
“Na verdade, todos os dias são seus…” Clichê! Se fosse para escrever isso não precisava nem contratar uma agência de publicidade. “O que seriam dos homens se não fosse a mulher?” Seriam todos gays, óbvio. O que mais poderiam ser. Continuei pensando. “8 de março, o dia de celebrar aquelas que tornam o mundo melhor”. Muito fraco! Onde você cursou publicidade, meu filho? Na pior faculdade de Minas Gerais?! “Já sei, e se eu trocar “melhor” por “mais delicado”? Em que mundo você vive, Leonardo? Isso já deixou de ser atributo feminino há muito tempo. Calma, respira. Nessa hora de travamento criativo é bom dar uma olhada nas referências, vamos lá… Google; anúncios publicitários Dia da Mulher. O primeiro que encontro. “Aqui no XVideos, vocês são homenageadas todos os dias”. Admito que ri um bocado. Esse pessoal da internet pensa cada bobagem. De qualquer forma, logo percebi que as referências em nada me ajudariam. E se eu valorizasse o que as mulheres possuem de melhor? O detalhe, o capricho, a sensibilidade… É, pode ser uma boa. Mas calma! Enaltecer isso pode dar a sensação de que outras qualidades são exclusivas do homem? Antes que qualquer outra ideia viesse à cabeça, como uma flecha, me desceu aquele frio na barriga, epifania pura. Me lembrei que essa peça poderia ser vista também por feministas, não aquelas pessoas engajadas na luta pela igualdade de direitos entre os gêneros, mas por aquelas que são como um radar, à caça de qualquer virgula que possa ser considerada uma ofensa sexista, soberanas guardiãs da palavra, especialistas em semântica e mensagens sublinares. E olha que eu ainda nem tinha entrado na tarefa de adequar a mensagem ao cliente que, relembrando, era um motel. Armadilha pura que eu não caio.
Abri um novo documento, joguei fora tudo que já tinha sido escrito e convicto cravei: FELIZ DIA DA MULHER!
Direto, objetivo e, acima de tudo, seguro. Poucas coisas na publicidade são tão importantes quanto saber que um caminho criativo “polêmico” pode derrubar o seu emprego e a imagem de uma marca, mesmo quando você está convicto de que uma mensagem é quase sempre ofensiva apenas na cabeça do preconceituoso e não de quem disfarçadamente o defende.
Eu que não mexo nesse vespeiro. Há situações de criação onde menos é mais. Com tanta gente bitolada no mundo, quase todo tiro vai para no seu pé. No ano que vem, neste job, podem ter certeza que só teremos mudança no layout. O texto será cativo até que a nossa sociedade comece a ter um mínimo de leveza na alma.
LEONARDO PENNA